PENSAR ME COLOCA ACIMA DAS EMOÇÕES

Há exatos 20 anos, estreou no Sesc Consolação, em São Paulo, o espetáculo O canto de Gregório.

Eu havia passado muito aperto durante quatro anos e meio, período em que Antunes Filho fazia um trabalho com idas e vindas, mudando completamente o elenco, mudando radicalmente sua própria interpretação, até o dia em que considerou a peça pronta e a levou à cena, ao mesmo tempo inaugurando a sala intimista do 7.o andar do Sesc. Por todo o tempo desse processo, fiquei em dúvida sobre sua decisão de assinar a direção de minha primeira peça de teatro.

O título desta postagem é a primeira fala da peça, que foi um elemento catalisador de todo o seu desenvolvimento. O monólogo inicial de Gregório (que colo abaixo) sintetiza o que eu pensava sobre o que era mais sério no drama da existência. Explico a mim mesmo hoje o que já estava ali de algum modo: é a racionalidade em nossa autoconsciência que provoca o nosso sofrimento essencial como seres vivos.

(Mas calma: está fazendo um sol gostoso, o Palmeiras é líder e, acredite, existe alguém que ama você.)

Pensar me coloca acima das emoções. O pensamento voa alto e lá de cima avista, em seus labirintos, as emoções rasteiras. Mas do seu próprio céu o pensamento não escapa — e outros labirintos muito mais devastadores o envolvem. Para a alma, pensar é definitivamente mais doloroso do que sentir — a dor sem saída provocada por um paradoxo é eterna. As emoções? Para o saudoso, a lembrança alivia. Para o perdido, uma palavra consola. O desesperado — de que mais ele precisa senão de ? Mas a ninguém, em nenhum tempo, em nenhum lugar, é permitido escapar da dor de um paradoxo. Para ninguém tirar conclusões precipitadas, deixo claro: eu sou um ser humano, eu não sou uma máquina. Porém, quando choro — ouçam bem isto — quando eu choro, minhas lágrimas não me comovem. Para meu assombro, até comovem certos corações. Corações sensíveis, sem dúvida, mas, espantado, me pergunto: sensíveis exatamente a quê? Enquanto minhas lágrimas correm, vejo à minha frente um doce olhar de enternecimento. Minhas lágrimas correm, e provocam nesse coração uma grande ternura. Enquanto isso, meu Deus, eu mesmo não entendo por que choro. Acontece que, enquanto choro, não consigo deixar de pensar. E o pensamento me faz uma dura acusação: choro para obter piedade. Isso me revolta, isso me repugna. Então tento resgatar dentro de mim aquilo que me impulsionou o pranto e, aterrado, não encontro nada. Terei, digamos, me arrependido de alguma coisa? Quem responde é o meu intelecto: arrependimento, Gregório, era o que você queria representar com suas lágrimas. A dúvida me paralisa: chorei porque estava arrependido ou porque precisava parecer arrependido? Não, não é que eu estivesse fingindo de propósito. Mas minha mente talvez entendesse que era necessário eu parecer arrependido — e de uma forma tão intensa que nem eu mesmo desconfiasse de que meu choro servia ao engano. Mas há um coração a se compadecer diante de mim, certo de meu arrependimento sincero, enquanto eu, numa estranha porém vigorosa iluminação, tudo o que consigo é me dizer: quero que meu arrependimento seja sincero, tudo o que quero neste instante de minha vida é ser absolutamente sincero neste arrependimento — mas não sei se sou nem sei se não sou sincero. É a dúvida que me atinge: se me vejo como sincero — sou de fato sincero ou quero apenas fazer com que eu acredite que tudo o que quero é ser sincero?

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