FOLHA DE S. PAULO, 15/7/16
/em Imprensa /por Paulo SantoroO ESTADO DE S. PAULO, 15/7/2016
/em Imprensa /por Paulo SantoroTrês visões do Teatro Contemporâneo no Brasil
/em Imprensa /por Paulo SantoroEntrevista para Revista Brasil com Z, da Espanha (8/outubro/2015)
/em Imprensa /por Paulo SantoroMatéria publicada na ocasião da leitura dramática da peça O fim de todos os milagres, em Madri.
Clique aqui para ler o texto de Juliana Bezerra na página original.
O teatro brasileiro contemporâneo chega a Madri. Após a apresentação do monólogo do ator Vinícius Piedade, três dramaturgos brasileiros – Sílvia Gomes, Pedro Brício e Paulo Santoro – terão suas peças lidas por atores espanhóis, integrantes do laboratório Rivas Cherif, no teatro Valle-Inclán, dias 9,10 e 11 de outubro, às 19h. Os ingressos custam 3 euros.
A iniciativa tem o apoio da Embaixada do Brasil, da Fundação Cultural Hispano-Brasileira, Casa do Brasil e do Centro Dramático Nacional e faz parte do projeto “Una mirada al mundo”, cujo objetivo é dar a conhecer novos autores do cenário internacional. Em entrevista na Casa do Brasil, os três autores falaram sobre a expectativa de apresentar textos brasileiros na Espanha, da cena teatral brasileira atual e dos avances sociais e culturais do Brasil nos últimos quinze anos.
Qual é expectativa de vocês em mostrar essas peças na Espanha?
Paulo Santoro: Somos autores de um país que é visto do lado de fora com alguns clichês que podem levar o entendimento equivocado do Brasil, mas nós também somos muito europeus. Todos os meus bisavôs eram italianos e será que em duas gerações construímos o “brasileiro”?
Silvia Gomes: Eu sou fruto da miscigenação. Meu bisavô era negro e se casou com uma portuguesa e tenho índios na minha família. Eu venho de Minas, de Lavras, um lugar cercado de montanhas, onde existe uma repressão, um lugar calado, um silêncio. Minha obra é brasileira porque vem dessa especificidade, mas trata de questões universais, que poderiam ser lidas em qualquer lugar.
Pedro Brício: Minha peça também não fala especificamente do Brasil e acho isso bom porque vai quebrar essa expectativa das pessoas em relação ao país.
Silvia Gomes, Paulo Santoro e Pedro Brício: autores apresentam suas obras no tetro Valle-Inclán.
Atualmente, quais temáticas são discutidas no teatro brasileiro?
Pedro: A própria questão da identidade brasileira é discutida pelo teatro hoje. Minha peça trata sobre relações amorosas na contemporaneidade, se passa no Rio de Janeiro, mas trata da memória, da expectativa que temos nos relacionamentos e do acaso.
Sílvia: A cena de dramaturgia no Brasil está viva e tem sido estimulado graças a projetos como o do Sesc, que reúnem dramaturgos. Temos gente que está discutindo desde as memórias da ditadura, política até questões existencialistas mais abertas. Existe uma questão que a dramaturgia tem que olhar ao redor e falar do que incomoda.
Como vocês avaliam as políticas culturais nos últimos quinze anos de governo?
Paulo: Nos últimos 15 anos tivemos incentivos para os novos autores, como o Antunes Filho, proliferam várias iniciativas que acabaram trazendo autores novos que antes só existiam potencialmente. Cada um desses autores tem sua história e vemos esta diversidade de temas.
Sílvia: A minha peça saiu do CPT, dirigido pelo Antunes Filho, no Sesc-SP e a partir dali foram publicadas e traduzidas, e por isso estamos aqui. Nós discutíamos frequentemente sobre a singularidade, que cada um tenha a sua voz, pois isso é muito difícil de conseguir.
Pedro: Muitas peças estão discutindo a realidade brasileira e a história do Brasil. Porque o interessante não é só o tema, mas a forma e a poética que o dramaturgo trabalha.
Isso abriu espaço para autores emergentes e grupos da periferia mostrarem sua arte. Como vocês veem este movimento?
Sílvia: Acho muito importante e maravilhoso que se tenha um lugar para estas pessoas e ver essas perguntas dos outros. Venho de uma cidade pequena onde não tinha teatro e por isso digo que o Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte mudou a minha vida.
Paulo: Conhecei recentemente as “Fábricas de cultura”, do estado de São Paulo, na Zona Leste da cidade, um espaço onde oferecem aulas de música, dança, teatro e várias outras oficinas. Acho que esse tipo de espaço vai propiciar o surgimento de novos artistas que falarão daquela realidade.
Pedro: É chato a gente ficar dependendo do poder público, mas no Brasil só 14% dos municípios tem um teatro, então nós precisamos de uma política de formação, porque o teatro serve não só para as pessoas virarem atores, é uma questão de formação humana. Nos 15 últimos anos isso melhorou, embora esteja longe de ser o cenário ideal e perfeito, mas melhorou. Infelizmente, nas crises, o primeiro corte é na cultura. Vi que isso não é muito diferente aqui na Espanha ou na França, onde também houve cortes na cultura.
Mas a questão do teatro no Brasil é que ele é muito pontual. Sempre foi feito mais pelos artistas do que pelo governo, pelas companhias como a Dulcina e o TBC, por exemplo. Não temos um grupo de teatro nacional como aqui na Espanha.
Paulo: É preciso notar é difícil falar de grande cultura num país que tinha um alto índice de analfabetismo há cinquenta anos. Se não for o governo que inclua essas pessoas, não será a iniciativa privada que o fará.
Sílvia: Eu tenho uma visão positiva, afinal, estamos aqui. Muita gente com educação não sabe o que faz um dramaturgo, por exemplo.
Pedro: Hoje em dia todo lugar tem uma tela e o teatro guarda ainda essa relação humanística, ao vivo, sem mediação da tela.
Em que projetos vocês estão trabalhando atualmente?
Sílvia: Estou indo para Escócia fazer uma residência de dramaturgia por duas semanas.
Paulo: Vou lançar um livro em novembro e tenho algumas peças que estão em fase de captação de verbas, inclusive a peça que será lida aqui, “O fim de todos os milagres”, que será dirigida pelo Eric Lenate (que também dirigiu a peça de Silvia Gomes).
Pedro: Acabei de dirigir um musical brasileiro, sobre Wilson Simonal, escrita por Nelson Motta e tive uma alegria enorme porque foi um sucesso de público. (Pedro está no elenco do filme “Muito homens num só”, que será exibido durante o NovoCine em novembro).
O ESTADO DE S. PAULO, 18 DE MARÇO DE 2009
/em Imprensa /por Paulo SantoroGUIA VEJA SP, 05/11/2008
/em Imprensa /por Paulo SantoroPREÂMBULO DE GREGÓRIO
/em Imprensa /por Paulo SantoroTexto do saudoso Sebastião Milaré, publicado em 2004 na sua revista digital AntaProfana, sobre o espetáculo O canto de Gregório. Link para o original.
Perdido nos labirintos da lógica formal, Gregório se bate inutilmente em busca do conhecimento de si mesmo. Segue pelo atoleiro dos princípios e dos conceitos até o ponto-limite do absurdo, quando cego pelo frio clarão da lua, deixa seu dedo indicador apertar o gatilho, indo o projétil se alojar no peito de um cidadão.
Há nesse fio de história, através do qual se arma a estrutura de “O Canto de Gregório”, reminiscências de antigas obras literárias, que bem podem ter inspirado o autor. No programa de mão do espetáculo são explicitadas algumas, como o “Cândido” de Voltaire ou “O Estrangeiro” de Camus, além de referências à alquimia, Dostoievski e Virgílio. E todas as referências são de absoluta pertinência ao tema, ao texto e à poética do encenador; estando todas elas, objetiva ou subjetivamente, vinculadas à trama filosófica da peça de Paulo Santoro. Por um ponto de vista subjetivo, que a feira-livre pós-moderna da obra não apenas admite, mas solicita, entendo de juntar aí o Zaratustra do Nietzsche. Não o Zaratustra já em pleno poder de se comunicar com os vivos, não: apenas o seu preâmbulo, entre o momento em que desce da montanha para falar aos vivos e o momento em que só lhe resta carregar um morto às costas. Assim foi o preâmbulo de Zaratustra.
Gregório proclama que “a dor sem saída provocada por um paradoxo é eterna”. Afirmou, pouco antes, que o ato de pensar o coloca acima das emoções. Voando alto, o pensamento vê lá de cima as emoções rasteiras, em seus labirintos. E nesse vão aberto entre o pensamento e as emoções, entram e se aniquilam as sensações e a fé. Vai emergindo a consciência do ser humano naturalmente bipartido: “Minhas lágrimas não me comovem”. Bipartido, neste mundo material, o ser humano é fatalmente açoitado pelo seu próprio intelecto, dolorosamente paralisado pela lógica. Isto se passa com Gregório. De nada adiantou Jesus adverti-lo que “dar a outra face é uma direção propícia para os homens” e que Deus é de outra dimensão, onde “não existem mesas nem cadeiras”. Para tudo ele busca a explicação lógica… Mas, a exemplo do feitiço que se volta contra o feiticeiro, a lógica o devora e deixa cada vez mais distante qualquer resposta plausível, para o que quer que seja. Gregório propõe a lógica como instrumento de comunicação com os vivos, mas é quatro vezes aprisionado nas armadilhas de um ilustre morto, Sócrates, e termina por “fazer” um novo morto, no momento em que o seu indicador acionou o gatilho e o projétil perdido encontrou o peito daquele cidadão. Dedicará o seu raciocínio lógico, a partir daí, ao acaso que o tornou assassino, embora pouco importa quem tenha sido morto. Assim foi o preâmbulo de Gregório.
Afirma Zaratustra que o homem é a ponte estendida entre o animal e o Super-homem. O Super-homem é o sentido da terra, sendo o homem uma passagem, um simples acabamento. Todavia, para chegar à condição de Super-homem é necessário ao homem superar-se a si mesmo e tornar-se o mar no qual abismará o grande menosprezo. E como ninguém o quer ouvir, Zaratustra mostra ao povo o “último homem”, cuja raça é indestrutível como a da pulga. O “último homem” procura agradáveis sonhos no veneno e se crê descobridor da felicidade, embora caminhe paralelamente à infelicidade e incontáveis vezes nela chafurda, na sua cotidiana monotonia.
Embora se esforce no sentido do autoconhecimento, Gregório perde-se por descaminhos lógicos, por dolorosos paradoxos, concluindo que a bondade é logicamente impossível e que é igual a uma escultura abstrata: nada tem a ver com a vida que se faz no dia-a-dia, ao sabor das circunstâncias. Longe de superar-se e de se tornar um Super-homem, em vista dos seus raciocínios materialistas e por estar vinculado a uma ética mecânica, desumana, Gregório junta-se como igual aos “últimos homens”. Mas, não! Nem isso lhe ocorre. Apenas caiu no círculo vicioso de seu próprio raciocínio, absolutamente alheio aos caminhos do coração, quando até o descaminho do “último homem” é feito no coração. E ao ver-se com o revólver na mão, acredita que Deus lhe tenha dado a infinita oportunidade de experimentar o mal. Agindo ao sabor das circunstâncias, para saber se o mal é realmente o pior dos mundos, disparou duas vezes. Mais tarde diria que a lua cheia iluminou-lhe a cara e o brilho nublou seus olhos molhados.
Sentindo-se atravessado de luz, Zaratustra percebe que necessita de companheiros, mas vivos. É a companheiros e não à multidão que deve falar. E foi assim que começou o ocaso de Zaratustra, preenchido por seus discursos cheios de dragões, virtudes e transgressões às normas comuns, com a ação vertiginosa agitando o limite do anunciado Super-homem.
O ocaso de Gregório é a escuridão do entendimento. Responde à pergunta óbvia do promotor, sobre os motivos que o teriam levado a matar o desconhecido cidadão, ter sido o ato “uma atitude sem razão”. Ao que o promotor retruca que para matar uma pessoa é preciso ter uma razão. A isso Gregório responde com poderoso argumento: “Para matar alguém é preciso faltar com toda a razão”. Esse argumento poderia redimi-lo e dar-lhe passagem ao Super-homem. Mas, o pobre é irredimível, porque não larga a sua rapadura: a lógica. Mesmo ao Buda busca cativar para si… explicando logicamente um koan. Ele é todo pensamento, e Buda demonstra-lhe compaixão: “Assim é o seu pensamento: as idéias pesam mais do que concreto…” Homem de pedra, como um castelo ou uma prisão, justificando a deliberação do júri e a sentença anunciada pelo Meritíssimo. Está Gregório condenado a viver “agrilhoado ao corpo material que precisa carregar por este chão”.
E nessa prisão fatídica seu pensamento desespera. Procura uma compreensão de si mesmo, para concluir que “o conhecimento era uma mentira”. Com horror descobre que sequer existe. Que nunca existiu! Como não existe o tempo, como não existe o ser.
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Paulo Santoro, pensando em exprimir questões da vida contemporânea que distanciam o ser humano da condição de “ser” humano, teceu a trama através da lógica formal e de vertentes filosóficas positivistas. Não para exaltar a lógica formal e o positivismo, mas para transformá-los na expressão crítica de toda uma civilização (ocidental) que se edificou embebida deles e hoje se encontra desentendida e perplexa.
Por assim ver esse texto, anunciador de catástrofes e tão bem humorado, ocorreu-me a leitura paralela de Gregório com o Zaratustra, justo por serem opostos os heróis. Gregório não é o “último dos homens” e jamais chegará a Super-homem, porque não tem verdadeira humanidade. Ou, se preferirem, não tem “psicologia”. É um estereótipo, não um arquétipo. Teatralmente, no entanto, ele ostenta o valor dos personagens alegóricos dos autos medievais, eis sua força: é exemplar! Como manifestação emblemática, ele está presente em toda corporação, em todo sindicato, em toda assembléia, espaços da sociedade humana onde melhor faz o seu teatro. Ele está também presente nas telenovelas, na cultura de massa em geral; está presente nos homens-bomba (e nas mulheres-bomba, é claro), nos presidiários amotinados, na violência dos morros cariocas, das ruas paulistanas, no sem número de conflitos bélicos deste Admirável Mundo Novo, onde assustados procuramos abrigo. Que mundo é esse? Quem sabe o pensamento unilateral e antidialético de Gregório seja o retrato hiperrealista de Bush, ou de Bin Laden?.. Nesse mundo existem “todas as razões” para se matar, justamente porque está faltando ao ser humano a razão. É por isso que se mata de todas as maneiras.
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A encenação de Antunes Filho, apoiada pela cenografia e direção de arte de J. C. Serroni, mostra os áridos e paradoxalmente poéticos discursos de Gregório nos termos de realidades cotidianas transformadas em arte. Deslinda em cena o mundo objetivo e subjetivo de Gregório, com suas abissais contradições – seja pela movimentação impecável dos atores, seja pela presença inquietante de bonecos e de objetos como malas grávidas de outras malas, ou de guarda-chuvas, que servem para espantar fantasmas. No decorrer de toda a ação cênica há sugestões misteriosas envolvendo cada gesto dos intérpretes, o que projeta sobre o protagonista (quase um boneco articulado) significados inefáveis, que o inflamam de paixão e o tornam um espelho no qual não se deve mirar. Como os personagens alegóricos dos autos medievais, Gregório constrói em nossa frente um espelho crítico e cruel. Ele reúne em sua construção tantos fragmentos de diferentes personalidades, que se torna impossível alguém não se identificar um pouquinho com ele. E Arieta Corrêa consegue dar unidade a esse ser, dando a humanidade que lhe falta, livrando-o da caricatura.
O elenco todo, na verdade, levanta a escada para Arieta Corrêa, mas não é jogo de “estrelas” e sim de companheiros, contadores de histórias, que contam suas histórias não só através de palavras, mas com todo o corpo. Desse elenco tão homogêneo, é possível destacar Juliana Galdino, por sua performance impagável como o Meretíssimo, e Carlos Morelli, como o promotor sarcástico, burocrático e persistente.