O PODER DO LIVRO

O livro é um texto.

O texto não tem existência numa página de papel. A matéria do texto, a massa do texto é aquela sequência de palavras que é criada dentro da mente do autor e pode encontrar o seu receptor das mais variadas maneiras. “Ser ou não ser, eis a questão” é a formulação de uma ideia que chegou à existência quando Shakespeare pensou nela, antes de ser anotada, antes de ser decorada por um ator e expressa diante do público. “Penso, logo existo” é a afirmação sintética que chegou à existência quando Descartes pensou nela, muito antes de ser impressa para iluminar os filósofos até hoje. “O sertanejo é antes de tudo um forte” é a expressão de uma opinião que chegou à existência quando Euclides da Cunha pensou nela, antes de se tornar um importante relato sobre a história do Brasil.

O livro de papel tem sido, mesmo até hoje, o modelo mais difundido e bem-sucedido de transmissão dessas ideias a partir de quando elas chegam à existência na mente do autor até encontrarem as mentes das pessoas que estão interessadas nelas. Mas nunca foi a única, e não será necessariamente a que prevalecerá no futuro.

Vamos lembrar que o livro dos gregos antigos era a narrativa oral dos aedos e rapsodos, que declamavam diante de audiências iletradas, assim como o livro de muitos povos africanos ainda são os griôs, que preservam seu conhecimento e sua cultura ao longo de muitas gerações.

Por isso, não devemos temer as variadas formas de se propagarem os textos modernamente. O livro digital tem o mesmo poder do livro físico, associado a algumas conveniências que podem ser importantes para diferentes leitores. O audiolivro também oferece muitas facilidades para além de seu público mais tradicional, o de deficientes visuais. Tudo o que importa é aquela ligação que deve ser feita entre a mente do autor e a mente do receptor. Podia até ser por telepatia.

Hoje, temos uma boa biblioteca na cidade de São Roque, com títulos que podem entreter ou instruir seus leitores, além de auxiliar os estudantes, em especial aqueles sem grande poder aquisitivo. Mas também já existem bibliotecas na internet, como a Biblion, do estado de São Paulo, em que se pode ler, de forma gratuita e legal, milhares de títulos digitais.

Não precisamos temer essas novidades, nem mesmo pela ideia de que, se um dia livrarias deixassem de existir, e bibliotecas físicas deixassem de existir, nós acabaríamos privados do contato com as pessoas, do encontro humano. Isso não é verdade. Ainda hoje as pessoas se reúnem em clubes de livros para discutir suas leituras. Ainda hoje fazemos eventos como este mesmo. Nos últimos meses, algumas dezenas de entusiastas do jogo de Xadrez começaram a se reunir aqui na biblioteca, às quartas e sábados, para partidas presenciais, apesar de ser facílimo de encontrar parceiros na internet em qualquer dia e hora. É o gosto pela relação humana. E então, num sábado em que o prédio não poderia ser aberto para receber esses jogadores, eles simplesmente combinaram de se encontrar em outro lugar.

Só uma epidemia pode afastar as pessoas. E não para sempre: uma epidemia acaba quando pessoas que estudaram livros e frequentaram bibliotecas criam uma vacina para nos aproximar novamente.

Discurso proferido em 20 de março de 2024, na Biblioteca Arthur Riedel em São Roque (SP), com a temática proposta de “o poder do livro”.

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